Na Terra dos Mortos que Vivem
Prentiss Tucker
CAPITULO I
UMA VISITA AOS PLANOS INVISÍVEIS
Tudo
decorreu de uma granada alemã de alto poder explosivo.
Nada
acontece sem uma causa. Podemos dizer que esta história começou na Alemanha
quando Gretchen Hammerstein deu o retoque final a uma determinada granada de
alto poder explosivo e, com o contato de seus dedos, encheu-a com as vibrações
de seu ódio pelos americanos. Mencionaremos as várias ocorrências cada uma como
resultado de uma série de circunstâncias - que contribuíram para que esta
determinada granada fosse levada ao "front" alemão naquele exato
momento, para aquele exato lugar. Mas, para acompanhar estes acontecimentos,
quase infinitos em número, necessitaríamos de muita paciência.
Por
isso, retomaremos a história exatamente quando esta granada altamente explosiva
estourou nas trincheiras americanas espalhando, além de seu material, carga e
fragmentos visíveis, o ódio que Gretchen Hammerstein havia depositado nela.
Jimmie
Westman estava debruçado sobre o muro da trincheira, localizada muito próxima à
linha alemã, espreitando através de um bem camuflado
buraco, que era utilizado tanto para observar-se os tristes e horríveis
estragos ocorridos na Terra de Ninguém, como para alertar contra ataques de
surpresa. A granada explodiu a poucos passos na retaguarda, mas Jimmie não
percebeu isso. Demorou bastante até tomar conhecimento do que tinha ocorrido, e
é sobre os fatos que aconteceram entre a explosão da granada e o momento em que
Jimmie foi capaz de reconstruir tudo, que desejo relatar. Foram eventos consideráveis;
eles produziram uma grande impressão em Jimmie e mudaram completamente suas
idéias da vida.
Como disse, algum tempo se passou antes que Jimmie recuperasse a
consciência após a explosão. Para ser exato foram praticamente três dias.
Enquanto ele permanece nesse estado de coma
vamos tomar conhecimento de sua vida e história.
Jimmie não nasceu "de pais pobres mas honrados". Seus pais
embora não fossem ricos, deram-lhe uma boa educação. Ele havia terminado o
colegial e estava engajado no estudo da medicina quando a guerra rebentou. Eu
disse que ele estava engajado na medicina. Gosto de Jimmie e reluto em dizer
que passava a maior parte do seu tempo nos campos de futebol e no carteado, não
obstante, era isto o que realmente acontecia. Ele era o protótipo do jovem
americano limpo, honrado, um pouco descuidado, ávido por ter sucesso e para
sobressair-se tanto no trabalho como no esporte. Sentia-se também deslumbrado
pela adulação dispensada aos atletas proeminentes no colégio que freqüentava.
Contudo, estava empenhado no estudo da medicina, talvez eu devesse dizer,
parcialmente empenhado, e demonstrava realmente interesse pela profissão que
escolhera, embora não tivesse progredido o suficiente para ter um conhecimento
mais profundo da matéria médica. Ele tinha
absorvido um pouco do espírito científico das conferências que havia escutado e
sua mente havia adquirido um leve traço de ceticismo, o que deixou sua mãe um
pouco preocupada. Porém, ela sabia que seus antigos ensinamentos estavam bem
enraizados e que o caráter de seu filho era bastante forte para que o ceticismo
que o circundava só pudesse perturbar superficialmente sua vida jovem e
correta.
Mas Jimmie possuía uma alma indagadora, e enquanto as trivialidades
aparentemente ilógicas e não científicas que ele ouvia do púlpito quando ia à
igreja pouco efeito lhe causassem, as objeções apresentadas pelos médicos e
estudantes com quem se associava pareciam-lhe, também, sem força e sem
fundamento. Ele oscilava entre as duas, mas não era controlado por nenhuma,
embora no fundo de seu coração estivesse inclinado a ser bastante religioso,
como a maioria das pessoas o são quando têm essa oportunidade.
No primeiro ano de sua vida universitária, a grande guerra (1914)
começou. Foi praticamente no fim do primeiro ano, um pouco antes dos exames
finais, e quando ele foi para casa para as férias de verão, o país todo estava
agitado. Aqueles que tinham maior visão percebiam que a guerra envolveria os
Estados Unidos. Jimmie começou a meditar, refletindo sobre a situação do mundo,
e quando voltou a seus estudos, no outono, foi com a firme convicção de que os
Estados Unidos seriam logo forçados a entrar na guerra e que ele,
necessariamente, estaria envolvido. Até aquele momento, ninguém havia previsto
que pudesse haver uma escassez de médicos, e Jimmie, tendo a certeza que a luta
era justa e que era seu dever ajudar, embora seu país ainda estivesse fora,
resolveu alistar-se com os Canadenses, enquanto cursava o segundo ano de
medicina. Em primeiro lugar, foi visitar seus pais para conseguir convencê-los
a pensar como ele, embora esta tenha sido a tarefa mais difícil a que se
propôs.
Estava em casa nessa missão, quando soube da morte de uma grande amiga
sua. Tinham sido criados juntos, e essa perda dissipou um sonho que havia acalentado
em sua mente e para o qual estava inconscientemente trabalhando.
Ao alistar-se, foi lançado no grande e agitado caldeirão da guerra.
Quando os Estados Unidos entraram na guerra, ele já era um veterano
experiente, apesar de sua pouca idade. Tentou e conseguiu sua transferência das
tropas canadenses para as de seu país, onde foi recebido com grande entusiasmo.
Quando a granada explodiu, ocasionando uma mudança tão grande em sua vida, ele
era segundo tenente com uma boa chance de ser promovido.
Ele não ouviu nem se apercebeu da granada e, como já disse, não sabia que
tinha havido uma explosão, de modo que ficou muito surpreso ao se encontrar, de
repente, em uma parte do país que ele não conhecia. Era um lugar amplo,
semelhante a uma campina, com uma suave subida e ele estava andando
despreocupadamente por ela, como se tivesse todo tempo à sua disposição. Subia
lentamente por esse caminho, surpreendendo-se porque, segundo se lembrava, ele
deveria estar em seu posto na trincheira. As coisas estavam um pouco
diferentes, mas ele não conseguia compreender o que lhe acontecia.
Parecia estar movendo-se com uma considerável facilidade, muito mais do
que estava acostumado, pois a permanente lama deste país grudava terrivelmente
nas botas e era uma tarefa difícil colocar um pé na frente do outro. No
entanto, agora, ele estava caminhando facilmente e sem qualquer esforço, mas
não sabia para onde ia nem de onde vinha.
A trincheira não estava à vista, mas ele estava andando tão sem esforço
que não lhe fazia qualquer diferença, pois, sem dúvida, poderia encontrá-la,
apesar do seu limitado conhecimento de francês.
Graças a Deus não se encontrava atrás das linhas inimigas. Mas, alto lá!
Se estava atrás de sua próprias linhas e não sabia como havia chegado lá,
por que não poderia estar atrás das linhas inimigas sem sabê-lo?
Sua memória estava voltando aos poucos. Era como se tivesse acordando de
um sono profundo e estivesse voltando a si.
Mas se ele tivesse adormecido, por que nenhum dos companheiros o acordou
antes que toda a linha tivesse assim avançado?
Mas, pelo amor de Deus! Onde estava a trincheira? Onde estavam o
acampamento, as trincheiras de comunicação, as estradas, tudo? Que lugar é
este, esta campina tão bonita que se eleva tão suavemente?
A linha deve ter avançado e ele foi deixado para trás em seu sono. Isto
era evidente, porque, se a linha tivesse recuado, ele certamente teria sido
acordado na retirada ou, caso contrário, o inimigo tê-lo-ia acordado quando se
apossasse das trincheiras. Não, a linha tinha avançado e, ele, de algum modo,
continuou dormindo mas, evidentemente, tinha caminhado em seu sono até este
lugar, embora não discernisse que lugar era esse.
Não conseguia lembrar-se de ter deixado a linha de fogo de onde observava
o movimento inimigo, mas isso era só um mero detalhe. O objetivo principal,
agora era descobrir onde estava o comando e juntar-se a ele. Ele poderia
encontrá-lo facilmente porque sabia como orientar-se pelo sol.
Involuntariamente, olhou para cima. O sol não estava visível, embora fosse
pleno dia e não houvesse névoa aparente.
Jamais tinha visto na França, um trecho tão longo sem ser habitado. Ou
havia cidades, vilas e fazendas, ou a terrível devastação por onde os inimigos
haviam passado. Mas esta campina não mostrava nem uma coisa nem outra. Era na
verdade, uma campina imensa, especialmente para a França. Era só colocar alguns
tratores aqui e o temor da fome se dissiparia, pois havia terra suficiente para
alimentar um país.
Mas o tempo passava e ele sentia a necessidade de se apressar; também
precisava pensar em alguma desculpa para justificar sua ausência, pois o
capitão era muito severo e o sonambulismo talvez não fosse uma razão válida
para se ausentar de seu posto.
- Por que você não desliza?
- O que você quer dizer por “deslizar”?
Ele virou-se para ver quem havia falado, pois não tinha ouvido nenhum
passo e julgava estar sozinho. Viu uma jovem andando ao seu lado ou, pelo menos
movendo-se ao seu lado, pois aparentemente ela não estava andando de maneira
convencional. Ele a conheceu bem e ao reconhecê-la, sentiu-se empalidecer, pois
a jovem ao seu lado era aquela que tinha sido sua amiga muito especial. Mas,
disseram-lhe na última visita à sua casa, que ela tinha, bem, que ela tinha
morrido enquanto ele estava na faculdade, um pouco antes de voltar para casa
para dizer adeus a seus pais antes de alistar-se. Ele deve ter sido mal
informado. Olhou para ela, afastou-se um pouco, beliscou-se e ficou sem saber o
que fazer ou o que dizer. Talvez ela não tivesse morrido, talvez tivesse sido mandada
para um manicômio e estivesse agora na França por algum engano e estivesse
delirando ao aconselhá-lo a "deslizar".
Ele observou-a novamente. Meu Deus! Ela estava deslizando! Céus! Teria ele
também enlouquecido?
Uma risada interrompeu sua perplexidade. Era o habitual
riso alegre e espontâneo que ele tinha conhecido tão bem.
Por Deus! Ela estava rindo dele. Perplexo? Bem, quem não
estaria numa situação semelhante a esta?
Algumas vezes, os pensamentos passam pela mente com uma velocidade
incrível e os pensamentos que eu estou narrando, aparentemente demoravam muito
tempo para ocorrer, mas, na realidade, foram quase instantâneos e praticamente
não demoraram muito. Ainda que tivessem uma seqüência lógica, pareceram-lhe,
naquele momento, muito lentos embora bastante racionais.
Ela estava rindo dele! Fantasmas não riem. - Simplesmente não riem, é
tudo. Todos sabem que fantasmas não riem. E ela falava-lhe sobre deslizar. Isto mostrava que ela estava
louca e confirmava a teoria do manicômio, mas, neste momento, ele olhou
novamente para os pés dela - ela realmente estava
deslizando. Pelo menos ela não estava andando, alçando um pé para colocá-lo
na frente do outro. Não, ela estava deslizando e rindo dele.
Além disso, fantasmas são tristes, perturbados, amantes de escuridão, de
cemitérios, da meia-noite, de mistérios e de assustar as pessoas. No entanto,
aqui estava um que, se realmente fosse um fantasma, estava olhando para ele com
um rosto realmente lindo, feliz, aparentemente alegre, franco e de uma maneira
afetuosa divertindo-se com ele, - com ele!
Lembrava-se muito bem dela. Conheceu-a bem. Ele tinha sido... bem, para
dizer a verdade... ele havia pensado que talvez quando se formasse... oh!
bobagem... ele devia estar sonhando. Ele estava na França, tinha vindo para
lutar contra o Kaiser e preparar o mundo para a democracia, e isto era um
trabalho sério.
No entanto, ela estava ainda rindo dele. Como tal engano poderia ter
acontecido? Tinham-lhe contado tudo sobre ela. Tinham-lhe repetido a triste
notícia várias vezes, pois sabiam o quanto ele a estimava. Porém eles devem ter
cometido um engano. Ele tinha que acreditar nos seus próprios olhos.
Meu Deus, como ela estava linda! Ela sempre foi bonita, linda, mas agora
parecia radiante. Estava andando suavemente, com um certo passo que não
poderíamos descrever, mas que poderíamos chamar de “ponta dos pés”.
Ela avançou um pouco à sua frente e virou-se rindo de uma maneira tão
natural, como antigamente, que ele começou a rir também. Os acontecimentos eram
muito sérios, mas havia tanta alegria ao seu redor, com uma jovem tão bonita
sorrindo para ele, que se tornou difícil imaginar que o inimigo estivesse tão
próximo e que tanto sofrimento humano os circundasse.
De repente, ela ficou séria como se houvesse adivinhado seus pensamentos.
- Não pude evitar, Jimmie, você parecia tão desnorteado.
- Realmente estou desnorteado. Como você chegou aqui na França? E por que
me disseram que havia – ido. Ele procurou sem êxito, uma maneira de expressar o
pensamento.
Ela respondeu seu dilema com um leve sorriso.
- Não tenha medo de dizer isso, Jimmie.
Ele estava com medo de dizer
isso, portanto retrucou:
- Como você chegou aqui?
- Eu fui enviada.
- Olhe, Marjorie, não me engane. Como você chegou aqui na França?
-
Acredite, Jimmie, eu não estou brincando; verdade Injun*, como costumávamos
dizer, eu fui enviada, acredite, mas
eu pedi para ser enviada, ela acrescentou. Os outros estavam tão ocupados e não
havia muita coisa que eu pudesse fazer, mas eu sabia que precisava ajudar você
e também sabia que você ficaria alegre em me ver, então, pedi permissão e o
Irmão Maior** concordou; ele é sempre tão bom para mim.
A teoria que ela estivesse num manicômio recebeu um novo impulso com esta
afirmação. O "Irmão Maior" deve ser um dos médicos, mas ela não se
referiu a isso como se estivesse louca. Na verdade, ela estava radiantemente
linda agora, muito mais bonita do que na última vez que a vira, e estava
falando racionalmente. Mas quem era o "Irmão Maior"? Ela era filha
única. Deve ser o médico.
Uma vez ele tinha estado em um manicômio com um grupo de visitantes e não
havia visto nenhuma mulher bonita. Mesmo que alguma tivesse sido bonita, a
expressão dos olhos teria dissipado qualquer beleza física. Mas esta jovem
dançando, deslizando, rodopiando ao seu lado, com seus olhos azuis e cabelos
loiros, era tão desconcertante, tão surpreendentemente linda, além disso, seus
olhos não tinham nenhum sinal daquele olhar fixo ou sem foco que torna tão
horrível observar-se uma pessoa insana.
E, acima de tudo, ela podia deslizar!
Deus bendito! Ele tinha esquecido esse fato. Ela podia deslizar! Como alguém podia deslizar?
Não era possível fazer isso, a não ser sobre patins...
- É fácil deslizar. Você pode fazê-lo facilmente!
- Eu! Como você sabe o que eu estava pensando?
- Bem, eu posso saber através de sua aura.
- Minha o quê?
- Aura. Sua aura! Você não sabe que você tem uma aura?
- Nunca ouvi isto antes. Eu recebi uma medalha por tiro ao alvo, mas não
me deram nenhuma aura e sei que não trouxe nenhuma comigo.
Ela dançava frente a ele, à medida que ele andava, deslizando olhando-o
intencionalmente, primeiro de um lado e, logo a seguir, de outro, sempre rindo
com aquela sua risada vibrante tinindo tão cheia de alegria e graça. Ela estava
rindo e não podia falar por alguns momentos. Ele não sabia qual era a
brincadeira, mas devia ser muito interessante porque ela estava tão feliz e tão
linda que ele a alcançou e tomou-lhe a mão. Dançaram juntos, rindo, ela dele e
ele de si, alegria que ele não podia entender.
Por Deus! Ele tinha esquecido!
De conformidade com todas as regras, ele devia estar exausto. Desde que o
grande bombardeio tinha começado há vários dias, ele não sabia o que era
descanso; no entanto, aqui estava ele dançando com esta linda jovem, como se
estivesse viçoso como uma flor. Ah! Mas agora ele sentia-se cansado, muito
cansado. Isto mostrava a força da mente sobre a matéria, pois antes havia
esquecido sua exaustão na alegria de reencontrar sua amiga. Agora, ele mal
podia levantar um pé depois do outro.
Ela retirou sua mão com aquela expressão antiga e familiar que aparentava
estar aborrecida.
- Você não está cansado! Você só pensa que está. Agora, ponha na sua mente que você não está cansado.
- Eu não posso, Marjorie! Eu estou exausto. Eu não durmo há duas noites,
o caminhar na lama e tudo mais, Marjorie, uma pessoa não pode fazer isso
durante três dias e não se sentir
cansada.
- Veja Jimmie, você admite que não tinha nenhuma sensação de cansaço no
começo? Quando estávamos andando e vocêperguntou como eu vim até aqui, você não
estava cansado porque não estava pensando nisso, mas agora, só porque você acha que deve ficar cansado você fica cansado.
Vamos sentar um pouco.
- Está muito úmido aqui para você sentar no chão; você vai pegar um
resfriado mortal.
Ela sorriu para ele.
- Não, eu não vou pegar um resfriado mortal. É bem seco aqui. Veja como o
chão está. Além disso, não posso pegar um resfriado mortal. Há três razões. Foi
por isso que vim até aqui, para explicar tudo, mas não sei como começar,
Jimmie.
Ele olhou para o chão. Na verdade, ele estava perfeitamente seco, como
ela havia dito.
- Está bem, vamos sentar então, mas lembre-se que eu tenho pressa pois
preciso apresentar-me logo, de modo que não posso ficar senão por um ou dois
minutos. Mas, o que você tem para me dizer? E por que não sabe como começar?
Nunca soube que você seria incapaz de terminar uma conversa, Marjorie.
- Oh Jimmie! É difícil contar-lhe. Você não vai acreditar em mim.
- Sim, eu vou, Marjorie. Eu acredito em tudo que você disser. Mas há algumas
coisas bastante estranhas acontecendo esta manhã que eu não entendo. Então,
como você veio até aqui?
- Como eu lhe disse. Fui enviada. Mas eu pedi para ser enviada porque eu queria ajudar você. E agora eu não sei
como explicar.
- Quem a mandou, Marjorie?
- O Irmão Maior. Oh, ele é tão gentil e bom para mim.
- Quem é esse Irmão Maior - um médico?
Ela sorriu, um pouco triste mas muito docemente.
- Está lembrado do que pensou quando eu falei com você a primeira vez e
você olhou para ver quem era?
- Sim, lembro-me bem do que pensei mas... mas... você
não sabe o que me tinham dito.
- Oh sim, eu sei, pois eu estava lá quando lhe contaram e eu vi você se
virar e engolir em seco. Eu sei que lhe disseram que eu estava... estava...
morta.
- Sim. Foi exatamente o que me disseram, e eu acreditei porque todos me
acompanharam e mostraram o túmulo, e... e...
- Sim,
Jimmie querido, sei de tudo pois estava lá e ouvi tudo, e vi como você saiu
aquela noite para o campo e para aquela estradinha na qual costumávamos passear
e, como você chorou, chorou quando julgou... que ninguém o via. Sim, eu sei de
tudo, Jimmie, porque eu estava lá.
- Você!
Lá!
- Sim
Jimmie, meu querido amigo, meu querido, querido amigo. Eu estava lá e vi sua
tristeza e coloquei meus braços ao seu redor e tentei confortá-lo. Eu estava
lá, pois é verdade o que eles lhe contaram, é verdade.
- Você
estava, você está...?
- Sim,
querido amigo, eu estava morta.
Pronto! Já disse.
Ela sorriu através da lágrimas, pois estava realmente chorando agora.
- Eu
devo usar esta palavra horrível. Ela precisa ser dita apesar de não ser
verdade, não é verdade Jimmie. Nós nunca morremos. Nem você nem eu estamos
mortos. Não! Nós estamos mais vivos do que antes, porque estamos um passo mais
perto da grande Fonte de toda vida e amor, e sei que isto é verdade porque o
Irmão Maior me disse. Ele é tão elevado, tão bom, sabe tudo, Jimmie e ele
conhece você e tudo sobre você e ele também o ama, Jimmie. Sei que posso ajudá-lo
e tenho permissão para relatar-lhe mais do que é possível contar à maioria dos
soldados, porque você é capaz de suportar mais do que a maior parte deles. Sei
que vai acreditar no que eu lhe disser porque o Irmão Maior me afirmou isso. E,
oh! Jimmie querido, não se preocupe porque agora você será capaz de fazer muito
mais quando tiver aprendido sobre a guerra, sobre outras coisas e sobre o
Mestre.
Ela
falava agora como se estivesse murmurando e com admiração, fazendo com que seu
rosto ficasse ainda mais bonito do que antes.
- Você vai
aprender sobre o Mestre e como podemos trabalhar para Ele, e talvez, talvez se você
trabalhar muito para Ele, Jimmie, algum dia você O veja. Eu O vi uma vez - ela
acrescentou tou orgulhosa - eu O vi uma vez, de longe. Acho que Ele olhou para
mim e eu me senti tão feliz que dancei e cantei por um longo tempo. Mas isto
foi antes deles me deixarem executar este trabalho de guerra que está sendo
realizado aqui. Primeiro, eles disseram-me que as condições eram muito ruins
para eu tentar ajudar enquanto não ficasse mais forte, mas depois, permitiram
que eu ajudasse um pouco, especialmente com as crianças. Realmente, gosto muito
de receber os pequenos logo que eles chegam aqui. Eles parecem tão amedrontados
e tão frágeis, assim procuro niná-los para que durmam e para que percebam que
estão rodeados de amor deste lado, e não por aquele terrível ódio que dominava
a pobre Bélgica. Sinto tanta pena dessas crianças. Ultimamente, tenho procurado
ajudá-las muito.
Jimmie não sabia o que era uma aura quando isto foi mencionado, mas
agora, ele via Marjorie rodeada por uma nuvem brilhante, uma luz radiante da
qual parecia inconsciente, mas da qual ela era o centro. Isto a tomou ainda
mais linda do que nunca e Jimmie recuou um pouco sentindo-se indigno de estar
tão próximo de um dos santos de Deus.
- Desde que comecei este trabalho - Marjorie continuou - não dancei tanto
quanto hoje, pois estou muito feliz em vê-lo e poder ajudá-lo. É a primeira vez
que me deixam encontrar um dos soldados que chegam, pois, algumas vezes, é uma
situação muito perigosa. São necessárias muita força e muita sabedoria e eu não
tenho nenhuma das duas, mas tenho uma coisa que conta mais, muito mais.
Ela virou-se e murmurou as palavras para si mesma. Jimmie não tinha a
certeza, mas pareceu-lhe que as palavras eram "Eu tenho amor."
- Oh, Marjorie! Você quer dizer que eu estou - o que acabamos de dizer?
- Sim, você está, Jimmie, mas não deixe que essa descoberta o perturbe, pois ela é realmente uma vantagem. Existem várias razões para justificar o fato de você estar aqui e vou dizer-lhe algumas delas. Mas você tem sorte, porque o Irmão Maior está vindo em seu encontro."
- Eu não quero conhecer nenhum Irmão Maior. Quero falar com você.
Ele adiantou-se e pegou-lhe a mão.
- Se eu estou morto, você também está. Por isso, nenhum de nós tem
qualquer vantagem. Tenho certeza que você não parece nem um pouco morta e eu não me sinto morto. Não consigo entender o que está acontecendo.
* expressão idiomática norte-americana que quer
dizer: realmente é verdade.
** Um dos Irmãos Maiores da Ordem Rosacruz fundada por Christian Rosenkreus.
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