NÃO HÁ PRÉMIOS PARA AS ÁRVORES
- EDUARDO AROSO
A alma do
poeta deve ficar amargurada quando se queima o santo (ou santa) a quem se
deveria rezar!
Não há prémios
para as árvores, pois, se existissem, teriam que ser estranhos, comparados com
aqueles que se dão a certos homens. Seriam, em verdade, prémios vitais, mesmo
que as árvores não sejam seres individualizados. Podemos, ainda assim, como têm
confirmado poetas e almas de sensibilidades gémeas, falar para uma árvore ou
olhá-la por algum tempo. Mas quem visse, o que diria?... Conferir um prémio,
ainda que seja a uma “coisa” vegetal, equivaleria a não receber os
agradecimentos de troca que sempre se espera, seria não receber as adulações que
são um outro “prémio”, nestas ocasiões.
Mas, retirada
a ideia de conceder galardões às árvores, deveríamos, no mínimo, dar-lhes todo o
respeito que merecem, o mesmo é dizer ter dignidade por aquilo que é
indispensável para a vida tal como a vamos tendo neste planeta. Esse culto
(assim deveria ser a nossa atitude) não seria menor do que o de qualquer
divindade. Talvez que na actual humanidade haja ainda um grande e profundo
sentimento subconsciente de ser acusada de práticas de paganismo! Por isso as
palavras de Alberto Caeiro não têm sido levadas a sério, salvo nos currículos
académicos, é claro. Ficou definitivamente provado neste Verão que o homem não
respeita as árvores ou a vida, e por isso não se respeita verdadeiramente a si
mesmo. A nobre cartilha da poesia não tem sido estudada, e se nos edifícios
autárquicos e outros fosse inscrito o citado verso, a tal cultura da cidadania
alcançaria bons e rápidos resultados. Inscrição para colmatar espaços vazios, ou
substituindo outras sentenças mais efémeras.
Se toda a
natureza é uma expressão de Deus, e bem assim todo o ser humano, então há que
meditar nisto: Não há prémios para cada imperturbável aurora, para o júbilo da
luz quando ao meio-dia se derrama completa num cósmico amplexo sobre cada ponto
da Terra, não há reconhecimentos públicos para um terapêutico pôr-do-sol que
pode devolver a calma depois do frenético dia de fertilizantes artificiais no
mundo disto e daquilo, e não só o da agricultura. Novalis, ao escrever os seus
Hinos à Noite, sabia que não existe a justa admiração por aquela benção da
Natureza que nos traz a calma (ou mais lucidez), a noite que é uma compensação
equidistante das horas apolíneas. Não há prémios em datas oficiais para os
singulares serviços de emergência que diariamente (imagine-se!) nos assistem de
uma morte inevitável quando nos renovam a água dentro do corpo. O melhor que se
poderia dizer de Deus é que é equidistante. Nisto há mais justiça e beleza. Já
se falou do amor eterno sempre equidistante?
Quanto aos
homens, há aqueles, como é sabido, que gostam tanto de prémios que são capazes
de viver exclusivamente na sua mira. Estes pertencem ao grupo numeroso que ainda
acredita que o homem é o rei da criação... Um minoria, doutro género mas da
mesma espécie, afasta-se dos prémios, ainda que em certas situações os aceitem
como um estorvo. São os vitoriosos da vida, que se conquistaram a si mesmos,
tornando-se inofensivos para os demais. Depositaram no altar da humanidade a sua
riqueza, despojaram-se do muito desnecessário que há no mundo. Nestes, podemos
incluir o simples habitante que se esforça duas vezes, sendo numa delas
voluntário, por isso sustentador do mundo. Muitos deles são os que defendem as
árvores e outros bens; quase sempre assistem, entristecidos, à oração das
cinzas. É a prece por aqueles que atentam contra a Vida no planeta, e assim
cometem pecado contra o Espírito Santo.
Não há
galardões para os que chegam ao alimento da verdade. O Graal compensa os
voluntários construindo o mundo perante o olhar dos involuntários. Aos
primeiros, basta-lhes o néctar da vida que nunca falta a quem dele se abeire
legitimamente. Rogam pelo mínimo da vida e recebem mais do que se possa
imaginar. Podem ou não ver no sacrifício alguma espécie de beleza. Seja como
for, deparam-se com a luz nas pedras de tropeço. Esse é o seu castigo e também o
seu prémio.
Fim de Verão de 2003
Arvore japonesa
Fonte: toptenpictures.blogspot.com/2007/09/japanese-...
CONNECTIONS : Essays and Poetry by Elsa M. Glover
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