Na Terra dos Mortos que Vivem
Prentiss Tucker
CAPÍTULO XI
LUZ NOVAMENTE
Jimmie estava procurando compaixão. Sentia realmente que não tinha sido bem tratado e havia chamado Marjorie com a idéia confusa de que talvez ela pudesse explicar-lhe por que Louise tinha agido daquela maneira tão extraordinária. Nos reinos superiores, o conhecimento nem sempre é adquirido da mesma maneira que o obtemos no mundo físico, mas uma alma avançada pode, com freqüência, conhecer coisas simplesmente fixando sua atenção nelas.
Jimmie estava bem consciente desse fato, mas estava duplamente impedido
de usá-lo. Em primeiro lugar, não estava ainda adiantado o suficiente para
obter informações por este meio. E depois, neste caso particular, não teria
sido correto tentar saber a causa de Louise ter procedido daquela forma, a não
ser, fazendo-o pessoalmente.
Mas restava uma pequena possibilidade de que Marjorie soubesse algo sobre
o assunto e poderia dar-lhe algumas indicações; também esperava que ela tivesse
pena dele e, sendo assim, o animasse, mesmo que não lhe desse nenhuma informação
real.
Mas Marjorie, embora tivesse acudido ao seu chamado de ajuda, não tinha
vindo pelo que ele esperava. Ele sabia que Marjorie podia sentir, pelas vibrações
que o rodeavam, que ele estava possuído por uma grande tristeza e imaginava que
ela estaria propensa a ter pena dele, interessada e pronta para oferecer-lhe
ajuda, de maneira que ficou um pouco chocado por vê-la tão cheia de vida, de
felicidade com uma pura alegria de viver. Aparentemente, a compaixão estava
naquele momento muito longe do pensamento de Marjorie.
- Oh, Jimmie, estou tão feliz por ter-me chamado. Imaginava quando você
poderia vir. Tenho tantas coisas para lhe contar; as coisas mais lindas com as
quais você jamais sonhou.
Jimmie olhou para ela, contemplativamente, mas permaneceu em silêncio.
- Fui promovida, Jimmie, não é ótimo? Agora posso trabalhar mais e ser
mais útil. Deram-me uma pequena classe para ensinar algumas criancinhas que
acabaram de falecer e elas são tão encantadoras! Estavam muito amedrontadas e
assustadas, mas procuro mostrar-lhes que não há nada a temer e que só estão rodeadas
de amor. É tão confortante e lindo vê-las deixar suas conchas de terror e
desabrochar como fazem as pequenas flores quando o sol brilha sobre elas.
Sinto-me tão feliz que não consigo ficar quieta.
Que lição proveitosa teria sido para alguns sofredores da vida terrena se
pudessem ver aquela jovem radiante testemunhando a felicidade daquele plano em
que estava vivendo. Estava também transfigurada com a alegria do reino para o
qual conduziria aquelas criancinhas que haviam sido arrebatadas de seus corpos
pelas frágeis condições no plano físico. Se os parentes dessas crianças
pudessem vê-las, dedicariam sua tristeza e compaixão não para as que “morreram”,
mas para aquelas que ficaram enfrentando as contínuas lutas e as duras
experiências da terra.
Jimmie tentou parecer alegre e conseguiu felicitá-la pelo trabalho
importante que lhe havia sido designado; mas o pensamento dominante não
abandonava sua mente tão facilmente e ele exclamou:
- Estou com problemas, Marjorie.
No mesmo instante o rosto de Marjorie tornou-se grave enquanto Jimmie
continuou:
- Você tem visto Louise ultimamente?
- Não, Jimmie, não tenho. Ando tão ocupada e, como é de seu conhecimento
não vou ao plano terreno. A única vez que vejo alguns dos meus amigos da terra
é quando vêm aqui durante seus sonos, e isto não é freqüente. Tenho certeza que
não há nada muito sério perturbando-o. Como sabe, você e Louise estão no plano
da terra e pode vê-la quando quiser. Foi uma sorte que essa pergunta tenha sido
dirigida a mim e vou esquecê-la completamente. Se você tivesse feito essa
pergunta ao Irmão Maior por mera curiosidade, o que ele teria pensado!
O rosto de Marjorie desanuviara-se. Ela estava rindo novamente, mas sua
observação causou um grande choque nele.
- Marjorie, tenho inveja daquelas criancinhas. Algum dia, se puder, quero
vir até aqui para assistir uma dessas aulas. Agora vou voltar e seguir seu
conselho, pois você me ajudou mais do que pode imaginar, talvez muito mais do
que eu esperava. Você é uma verdadeira e querida amiga, Marjorie.
De volta a seu corpo físico, Jimmie meditou sobre as palavras dela e
percebeu, cada vez mais, como se havia deixado levar por seu egoísmo. “Curiosidade!”
Uma “questão de mera curiosidade”, certamente isso. Havia feito precisamente o
que já sabia não deveria fazer. E ela não o repreendera nem encontrara falta
nele, simplesmente o havia guiado de forma gentil e bondosa, a reconhecer o seu
erro.
Decidiu que jamais voltaria a cometer semelhante falta e nunca mais
esqueceria o lema “Serviço”.
* * *
- Mamãe! Eu posso ver! Oh, mamãe, mamãe! Eu posso ver!
- Pode? Oh, querida, tem certeza? Não esforce seus olhos. Lembre-se do
que o médico recomendou. É melhor eu colocar a bandagem novamente.
- Não, não. Não suporto mais essa horrível bandagem. Eu posso ver. Vi
aquele pinheiro solitário lá no cume, tão bem como sempre o vi. Não coloque a
bandagem de novo. Vou manter meus olhos fechados e o resultado será o mesmo.
Prometo. De verdade, eu prometo. E vou sair para um pequeno passeio sozinha.
Prometo que não vou esforçar meus olhos. Vou mantê-los quase cerrados.
- Que menina obstinada! Não vá sair e pôr tudo a perder agora. É melhor
deixar que eu ponha as bandagens de volta e procure descansar um pouco.
- Lembre-se que sou uma enfermeira, mamãe, e que conheço bastante sobre
isso. Não vou forçar meus olhos nem um pouco, mas preciso sair para uma pequena
caminhada, senão acho que vou morrer. Por favor, mamãe! Conheço o caminho de
olhos vendados, por isso é suficiente olhar só um pouco.
- Aonde você quer ir?
- Só até ao velho pinheiro lá no cume e depois eu volto. Sei o caminho no
escuro e acredito que se eu for até lá sozinha e tocar a velha árvore, isso me
porá boa novamente.
- Está bem, mas não demore, senão
eu irei buscá-la, e não tente abrir os olhos. Eles ainda estão muito fracos.
O sol incidia diretamente sobre a pequena casa de campo onde esta
conversa se desenrolava, saturando aquela bonita terra de colinas suaves com
sua glória de verão, salpicando o terreno entre as árvores com vibrantes
reflexos dourados e marcando com pronunciado relevo as casas das cidades ao
longe e as ondulações da floresta próxima; realçava ainda, em sua grandeza
ímpar, a grande árvore que erguia sua copa muito acima de suas companheiras em
uma ligeira elevação algumas centenas de metros atrás da casa.
Era em direção a esta árvore que uma jovem se dirigia, saindo pela porta
traseira da casa e portando sobre sua cabeça um antiquado chapéu de sol que,
efetivamente protegia seu rosto da luz brilhante que a rodeava. Andava devagar
como se não estivesse muito segura do caminho e estendia, parcialmente, uma das
mãos para a frente, como fazem aqueles que andam no escuro.
Havia um caminho próprio que levava à grande árvore, pois era o atalho em
direção ao povoado. Era sempre muito usado por aqueles que preferiam andar no
frescor da mata em vez de ir pela estrada, um pouco mais longa.
A jovem caminhava como se o atalho lhe fosse familiar. Sem dúvida ela o
conhecia bem, pois tinha nascido e crescido naquela casinha, onde sua mãe,
agora, entregava-se à tarefa de lavar os pratos enquanto dirigia ansiosos
olhares para a figura que se afastava.
Não havia perigo para a viajante temerária, ela sabia, porque ali, no
grande Estado de Nova York, não havia exércitos invasores, nem artilharia ou
bombas assassinas. Nenhum perigo ameaçava aquela graciosa figura no caminho,
nem homem nem animal, mas mesmo assim a mãe aparecia muitas vezes à porta para
acompanhar carinhosamente com o olhar, aquele velho chapéu que avançava com
tranqüilidade até a grande árvore plantada no cume do morro. Não, não havia
nenhum perigo, pois a guerra estava longe desta terra pacífica.
Agora o chapéu de sol estava perto da árvore e logo iria retomar. Mas,
pare! A mãe tirou seus óculos e limpou-os em seu avental. Alguém mais andava
pelo caminho. Alguém usando um uniforme e parecendo um soldado. Evidentemente
não podia ser um. Às vezes, soldados passavam pelo pequeno povoado, mas não com
freqüência e todos os rapazes de lá tinham ido para a guerra, Estranhos nunca
andavam por esse caminho. Bem! O soldado havia parado a portadora do chapéu de
sol e estava conversando com ela, sem dúvida indagando-lhe sobre o caminho.
Quanto tempo despendido para perguntar o caminho! Filha, Filha! Qual é o problema?
Há coisas melhores a fazer do que parar e conversar com um soldado estranho! O
soldado envolvia a jovem em seus braços e abraçava-a! Oh! isto é terrível!
A mãe saiu apressadamente pela porta traseira e começou a percorrer o
caminho. Sua aflição não durou muito pois Louise vinha retomando serenamente
com um oficial alto que a conduzia pelo braço e que se dirigia a ela chamando-a
“Louise” e com uma familiaridade como se a conhecesse há muito tempo.
Nessa tarde, quando todos se sentaram na varanda, as coisas se
esclareceram. Jimmie informara-se onde ficava a casa e de início pensou em ir a
cavalo pela estrada, mas depois alguma coisa o fez mudar de idéia e seguiu a pé
pelo atalho.
- Interessante, estava para seguir pelo caminho mais longo, pela estrada,
quando um amiguinho meu, que conheço pelo nome de “Buster”, chamou-me da
floresta e indicou-me o caminho certo.
- Buster, Buster - disse Louise pensativamente - Não me lembro de nenhum
menino pelos arredores que tenha esse nome.
- Não. Esta é uma outra história que contarei algum dia, mas Buster
achava que me devia um favor e assim pagou sua dívida perfeitamente.
Louise também tinha sua história para contar. Tinha sido enviada para um posto próximo ao “front” onde havia sido instalado um hospital provisório e onde enfermeiras e cirurgiões viam-se obrigados a trabalhar além de seus limites. Uma noite, um avião inimigo lançou muitas bombas sobre esse local e uma delas explodiu perto de Louise, quando ela tentava socorrer alguns feridos sob sua responsabilidade. Um clarão ruidoso, um violento choque na cabeça e não teve conhecimento de mais nada até que acordou em um hospital em Paris com os olhos vendados e sua visão quase perdida.
Seu primeiro pensamento foi para Jimmie, e tomou a decisão de que jamais iria sobrecarregá-lo com uma esposa cega e desfigurada, daí a carta que, no desespero de seu coração, havia escrito apesar de todas as proibições e que uma outra enfermeira colocara no correio.
A desfiguração havia cedido por um tratamento eficiente, mas a visão
foi-se tornando cada vez pior e ela foi enviada de volta para casa - uma
pequena e desolada peça destroçada pelo naufrágio causado pela guerra que se
abateu sobre aquela terra pacífica.
Mas nos últimos dois dias, fora capaz de vislumbrar uma pequena luz e
naquela manhã tendo retirado a bandagem cuidadosamente, descobriu que, apesar
de embaraçada e distorcida, sua visão estava voltando.
- Oh! Deus é bom para mim, Jimmie. Ele devolveu a minha visão e Ele
deu-me algo mais valioso do que isso.
- O que?
- Até onde você gostaria de saber?
* * *
Muito bem! Esta não é uma história de amor, mas uma história da Terra dos
Mortos que Vivem. E, como elas podem ser separadas? Pois todo o amor é de Deus,
cujo nome é Amor e, para aqueles que fazem Sua vontade, não há nada em todo o
universo nem neste mundo ou no outro, que não seja Amor. Existe sacrifício e
serviço mas esses são somente as evidências do Amor que foram postas em ação.
Na Terra dos Mortos que Vivem também há Amor, e nenhum relato desta Terra pode
ser verdadeiro se não falar do Amor que lateja e pulsa por todos os seus
formosos mundos. Até mesmo naqueles reinos obscuros, sobre os quais não falei,
existe uma luz sutil que se filtra sempre. E a dor que ali é sentida, não é
nada mais do que a preparação para o Amor que um dia encherá todo o universo,
quando o conhecimento de Deus cobrir a Terra como as águas cobrem o mar.
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